sábado, 26 de abril de 2008

“DEUS É GRANDE”


AO QUE ISTO CHEGOU… E O MEU AMIGO ROBERTO TAMBÉM

Ainda hoje parece que estou a ver a cara de espanto e receio que Roberto, um soldado timorense do Suai, teve por máscara quando um dia lhe perguntei porque é que em Timor não se revoltavam contra o regime colonialista português.
Ele tinha-me acompanhado para carregar umas resmas de documentos classificados que eram para destruir, incinerar, numa vala pluvial empedrada do QG, em Taibesse.
Nesses documentos rezavam umas quantas “coisas” sobre o assassinato de Amílcar Cabral, um grande líder, e a propósito de líderes e de ele dizer que especificamente em Timor não existiam, porque eram todos favoráveis à presença do colonialismo português, recomendei-lhe que não mentisse porque não há amo nenhum que satisfaça a liberdade dos escravos que subjuga.
Roberto não estava à espera que lhe fizesse aquela pergunta mas muitos anos depois recordou-se daquilo que eu lhe perguntara e, em sua casa, em Díli, apontou para a fotografia de Xanana pousada numa parede e disse-me que afinal aquele era o líder e que ele na altura, anos 60, não o sabia, porque nem o próprio líder sabia.

Roberto ficou sem a esposa, nas escaramuças de 75 levaram-na para o outro mundo só porque pensava diferente. Gente da UDT.
Em compensação, dois irmãos de Roberto foram levados para o outro mundo, em Tutuala, por gente da Fretilin.
Perguntei-lhe, quando ele me apontou o líder, Xanana, se estava de acordo e disposto a apoiar o líder, apesar de ele fazer parte da força política que lhe assassinara os irmãos.
“Se perdoámos tanta coisa a Portugal que nos colonizou porque não perdoar aos que são timorenses?”, respondeu-me.
Generoso, sempre este Roberto e todos os outros Robertos que conheço e que me ensinaram a ser muito mais humano e a perdoar coisas muito graves, como, por exemplo, tirarem a vida aos que amamos…

Numa das últimas vezes que falei com Roberto, há pouco mais de um ano, percebi que já não era o mesmo. Também ele ficou sem casa e um filho foi gravemente ferido nas escaramuças do loromonu versus lorosai…
Pelo telefone adivinhei-lhe um sorriso amargo quando me disse que para ele só tinha acontecido uma coisa positiva na “crise”: a fotografia do líder também foi transformada em cinzas, Deus é grande, António, Deus é grande.”
“Específica”, pedi-lhe, como lhe fazia na tropa e ele achava graça ao aceitar o desafio.
“Na maior parte dos casos os líderes são como as mulheres falsas, traem, magoam-nos e desiludem-nos.”
Ao que isto chegou… e o meu amigo Roberto também. E Timor, e Timor.

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