quarta-feira, 6 de agosto de 2008

QUEM COMEU UMA BIBI LULIK?

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VERDADE OU FICÇÃO?

Em Timor, nos anos sessenta, Bobonaro era uma aldeola que quase tinha mais população militar no quartel do que civis timorenses, principalmente por via do reforço da Companhia de Cavalaria ali destacada, não fosse o diabo tecê-las na Indonésia agitada e sempre com um grande apetite em relação a Timor colónia portuguesa.
Verdade seja dita que em Bobonaro, ali na fronteira, podiam destacar ainda mais mil homens que a Indonésia se quisesse anexar Timor-Leste bem podia fazê-lo. Portugal não se aguentaria com mais um teatro de guerra para além da Guiné, Angola e Moçambique. Além disso Timor é muito longe de Portugal.
Acontecia como na Índia, adeus!

Perdi-me. Não é sobre essa história que venho à letra. Neste caso a letra vem predestinada para algo de sagrado – lulik, em tétum – e envolve um katuas – velho, em tétum – um malai – soldado português – de nome Fagundes, e uma bibi – cabra, em tétum.

Tudo aconteceu quando o Fagundes, da cavalaria de Bobonaro, lhe apeteceu comer uma cabra. Se bem o pensou melhor o fez.
Vai daí roubou uma cabra do rebanho do katuas Onório, timorense risonho que adorava as suas cabras.
Fagundes pôs os olhos em cima de uma cabra nova e pelo aspecto tenra. Boa para comer e chorar por mais. Até sonhava com ela e acordava todo molhado… banhado em suor.
Tinha de se decidir, era uma questão de a pôr a nu e zás!
Que é como quem diz: esfolá-la e pô-la acomodada nas brasas do prazer imaginado por Fagundes, que já andava a reparar naquela cabra havia uns bons tempos.
“Agora é que ela está mesmo boa para comer”, dizia de si para si. “Olhem só para aquelas coxas tão apetitosas”, pensava e babava-se a imaginar a orgia gustativa que se iria atrever a fazer contra tudo e contra todos, até mesmo contra a vontade da cabra.
Seria um sacrilégio, mas aquela cabra era para ele e o katuas Onório que se danasse.

Certa manhã lá andava o Onório em desespero à procura da cabra. Entrou no quartel aflito a pedir para que o ajudassem a procurar a dita, porque éramos muitos e tínhamos kudas – cavalos - para bater todo o mato em redor o mais rápido possível, para que a cabra não se afastasse demasiado “porque certamente fugira”, dizia o katuas Onório preocupado.

Os soldados, ainda ressacados da beberragem e comezaina da noite anterior, nem sequer estavam em condições de montar um cavalete quanto mais um cavalo. Como estavam, todos combalidos, nem uma cabra seriam capazes de montar. Isso teria sido na noite anterior.
“Onório, mas porque queres tu aquela cabra?” Perguntavam-lhe.
“Onório, damos-te dinheiro e tu vais comprar outra cabra”. Iam dizendo-lhe para evitar o martírio de terem de fazer uma cavalgada em busca do animal que já tinham comido e de que só os ossos haviam escapado.
“Malai, procura bibi porque é uma bibi lulik”. Pediu Onório quase a desfazer-se em lágrimas.
“É uma bibi lulik?” Quase perguntaram em coro os soldados à volta de Onório.
“Sim, é uma bibi lulik porque tem língua meta – preta – que parece que está suja mas é nanal lulik – língua sagrada.”
“Nanal lulik?” Daquela vez é que foi mesmo em coro soldadesco.
O katuas Onório, em desespero, explicou: “Bibi lulik não serve para comer, muito menos a língua, tem morun – veneno. Quem comer a língua de uma bibi lulik fica muito mal”.
A soldadesca empalideceu.

O capitão, comandante da companhia, chegou e juntou-se ao aglomerado em volta de Onório, inteirando-se dos motivos porque o katuas Onório ali estava.
Claro que percebeu imediatamente que uma bibi lulik tinha sido desviada para as brasas do forno da companhia e que tinha dado quase uma geral.
“Quem comeu uma bibi lulik?”. Perguntou o capitão com grande vozeirão e a olhar para os seus homens com cara de poucos amigos.
“Quem comeu uma bibi lulik?”. Voltou a perguntar.
“Onório, no dia em que estes homens receberem o pré – o ordenado – vens cá e vais ter mais uma bibi lulik para te consolares.” Ordenou ao Onório e a conversa acabou ali.

Certo é que aquilo que o katuas Onório disse aconteceu: a cabra era um veneno de alto calibre, não só a língua mas toda a cabra, tendo posto cerca de dez homens com diarreia e aos vómitos durante quatro dias. Já havia os que diziam que se sentiam a morrer envenenados.
Uma bibi lulik, da diarreia e do vómito, foi o que foi.

Aconteceu, e aqui fica para a posterioridade, como conto ou lenda, verdade ou ficção.
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