O PIOR JÁ PASSOU, FOI NASCER
“As contaminações entre cinema e televisão constituem um tema nuclear da modernidade artística. No caso de Manoel de Oliveira, a relação com a televisão possui um singularíssimo episódio: foi em 1978 que ele pôde concluir "Amor de Perdição" graças à entrada da RTP como entidade produtora - na altura, o filme foi exibido por essa mesma RTP, tendo desencadeado muitas reacções negativas, para não dizer insultuosas. 30 anos depois, o que resta é um fulgurante objecto de cinema ou, se for caso disso, de televisão.” – in Cinemax, RTP
Passam mais de trinta anos da co-produção de “Amor de Perdição”. Envolvidas foram as principais produtoras de cinema de então, ainda estávamos no rescaldo do Verão Quente de 1975 – de redes bombistas, Galvão de Melo, cónego de Braga, etc. Até o inverno em Viseu e Coimbra, durante a produção do filme, foi muito mais benigno, sem tanto frio e sem neve, nem um floco, mas muita chuva… de dia. Muito frio para os habituados ao clima de Lisboa, a maioria.
Manoel de Oliveira, sócio do CPC – Centro Português de Cinema, estava desesperado para filmar. Era a tesão do mijo. Compreensível. Havia um orçamento reduzido, todos sabíamos que não ia chegar, cerca de 12 mil contos. A verba era um disparate, para os parâmetros cinematográficos daquele tempo. Era uma super-super-produção. Um regalo, achavam os que não souberam fazer contas. Que lhe pusessem o dobro em verba e cerca de vinte horas de filme em versão integral.
Junto com o CPC estava a Cinequipa, o IPC e a Tóbis . Também a RTP, para tapar as “faltas”. Uma equipa de luxo para uma “produção de lixo”, a começar, diziam os detractores, os cépticos.
Ainda hoje deve estar para apurar as razões porque foi um distinto desconhecido que assumiu o cargo de Director de Produção do “Amor de Perdição”, Marcílio Krieger. Um rapaz brasileiro com imensa conversa mas que deixou tudo a desejar e que caiu no erro de considerar Manoel o “patrão”, pugnando por lhe fazer todas as vontades. Filmar de inverno a primavera, em exteriores, em Viseu… Fez-se mas… gastou-se quase metade da verba do total destinado à produção. Com o agravante de uma equipa soberba, enorme, ficar hospedada no hotel mais caro de Viseu, o Grão Vasco. E lá se ia comer ao “Trave Negra”, comer bem, do bom e do melhor. Foi uma boa perdição e até deu para engordar, para uns quantos.
Inverno em Viseu, quase Natal, não com neve mas com muita chuva, e vento. “Meus senhores, estamos na primavera” – dizia Manuel Costa e Silva, director de fotografia. Só faltou andar todos os dias a pôr folhas nas árvores desnudadas para parecer que estávamos na primavera, não se fez isso todos os dias mas em alguns. Foi preciso. Foi preciso os actores e actrizes andarem vestidos de modo primaveril no pino do inverno, em Viseu, com a serra da Estrela logo ao lado.
Foi de loucos, e de úlceras no estômago. Que o diga António Casimiro, cenógrafo da RTP, que andava sempre acompanhado de um pacote de leite “para acalmar a úlcera”. E esgotamentos também houve, nos mais novos, nos que se iniciavam na loucura do cinema português e tiveram a sorte de cair na maior loucura até então produzida e realizada em Portugal. E o “velho” forte que nem um carvalho!
Manoel de Oliveira, obstinado, pintor na celulóide, nem se constipava, quanto mais ser ocupado por uma úlcera ou por um esgotamento. Os outros sim, da equipa, mas o homem de sessenta e muitos anos estava e esteve sempre rijo que nem um pêro. Abençoado.
E dizia mestre Manoel depois de uma boa feijoada à transmontana feita pela senhora Amélia do Trave Negra: “Não podemos desistir, o pior já passou – o pior foi começarmos. Imaginem que o meu primeiro filme apresentado ao público, em Lisboa, no Eden, foi pateado… E eu estou aqui!”. Manoel estava a falar do “Douro, faina fluvial”.
O “Amor de Perdição” passou por muito epítetos no anedotário que se cola sempre a estes marcos, para muitos aberrantes por não os entenderem. Ele era o “Amor de Produção”, a “Perdição de Produção”, o “Estupor de Produção”, etc. Mas lá se fez e é um marco histórico e de grande arte do mestre. Uma arte não entendida pela maior parte dos portugueses, mesmo depois de tantos anos passados. Mas, como dizia Manoel, “para o século que vem entenderão”.
Meu querido, o século que vinha já é este, já cá está, e ainda se ouve muitos a patearem, sem entenderem nem gostarem, sem perceberem o Rembrandt da celulóide. Claro, mestre, não será isso que abalará quem sabe que “não podemos desistir” por que o pior já passou – foi nascer.
Começou há cem anos, respira arte, cinema e preza a vida. Não lhe tirem o seu “oxigénio”. Até para o ano que vem, mestre, para comemorarmos a primeira capicua depois dos cem, 101. A seguir será uma plena, 111. Já falta pouco.
“As contaminações entre cinema e televisão constituem um tema nuclear da modernidade artística. No caso de Manoel de Oliveira, a relação com a televisão possui um singularíssimo episódio: foi em 1978 que ele pôde concluir "Amor de Perdição" graças à entrada da RTP como entidade produtora - na altura, o filme foi exibido por essa mesma RTP, tendo desencadeado muitas reacções negativas, para não dizer insultuosas. 30 anos depois, o que resta é um fulgurante objecto de cinema ou, se for caso disso, de televisão.” – in Cinemax, RTP
Passam mais de trinta anos da co-produção de “Amor de Perdição”. Envolvidas foram as principais produtoras de cinema de então, ainda estávamos no rescaldo do Verão Quente de 1975 – de redes bombistas, Galvão de Melo, cónego de Braga, etc. Até o inverno em Viseu e Coimbra, durante a produção do filme, foi muito mais benigno, sem tanto frio e sem neve, nem um floco, mas muita chuva… de dia. Muito frio para os habituados ao clima de Lisboa, a maioria.
Manoel de Oliveira, sócio do CPC – Centro Português de Cinema, estava desesperado para filmar. Era a tesão do mijo. Compreensível. Havia um orçamento reduzido, todos sabíamos que não ia chegar, cerca de 12 mil contos. A verba era um disparate, para os parâmetros cinematográficos daquele tempo. Era uma super-super-produção. Um regalo, achavam os que não souberam fazer contas. Que lhe pusessem o dobro em verba e cerca de vinte horas de filme em versão integral.
Junto com o CPC estava a Cinequipa, o IPC e a Tóbis . Também a RTP, para tapar as “faltas”. Uma equipa de luxo para uma “produção de lixo”, a começar, diziam os detractores, os cépticos.
Ainda hoje deve estar para apurar as razões porque foi um distinto desconhecido que assumiu o cargo de Director de Produção do “Amor de Perdição”, Marcílio Krieger. Um rapaz brasileiro com imensa conversa mas que deixou tudo a desejar e que caiu no erro de considerar Manoel o “patrão”, pugnando por lhe fazer todas as vontades. Filmar de inverno a primavera, em exteriores, em Viseu… Fez-se mas… gastou-se quase metade da verba do total destinado à produção. Com o agravante de uma equipa soberba, enorme, ficar hospedada no hotel mais caro de Viseu, o Grão Vasco. E lá se ia comer ao “Trave Negra”, comer bem, do bom e do melhor. Foi uma boa perdição e até deu para engordar, para uns quantos.
Inverno em Viseu, quase Natal, não com neve mas com muita chuva, e vento. “Meus senhores, estamos na primavera” – dizia Manuel Costa e Silva, director de fotografia. Só faltou andar todos os dias a pôr folhas nas árvores desnudadas para parecer que estávamos na primavera, não se fez isso todos os dias mas em alguns. Foi preciso. Foi preciso os actores e actrizes andarem vestidos de modo primaveril no pino do inverno, em Viseu, com a serra da Estrela logo ao lado.
Foi de loucos, e de úlceras no estômago. Que o diga António Casimiro, cenógrafo da RTP, que andava sempre acompanhado de um pacote de leite “para acalmar a úlcera”. E esgotamentos também houve, nos mais novos, nos que se iniciavam na loucura do cinema português e tiveram a sorte de cair na maior loucura até então produzida e realizada em Portugal. E o “velho” forte que nem um carvalho!
Manoel de Oliveira, obstinado, pintor na celulóide, nem se constipava, quanto mais ser ocupado por uma úlcera ou por um esgotamento. Os outros sim, da equipa, mas o homem de sessenta e muitos anos estava e esteve sempre rijo que nem um pêro. Abençoado.
E dizia mestre Manoel depois de uma boa feijoada à transmontana feita pela senhora Amélia do Trave Negra: “Não podemos desistir, o pior já passou – o pior foi começarmos. Imaginem que o meu primeiro filme apresentado ao público, em Lisboa, no Eden, foi pateado… E eu estou aqui!”. Manoel estava a falar do “Douro, faina fluvial”.
O “Amor de Perdição” passou por muito epítetos no anedotário que se cola sempre a estes marcos, para muitos aberrantes por não os entenderem. Ele era o “Amor de Produção”, a “Perdição de Produção”, o “Estupor de Produção”, etc. Mas lá se fez e é um marco histórico e de grande arte do mestre. Uma arte não entendida pela maior parte dos portugueses, mesmo depois de tantos anos passados. Mas, como dizia Manoel, “para o século que vem entenderão”.
Meu querido, o século que vinha já é este, já cá está, e ainda se ouve muitos a patearem, sem entenderem nem gostarem, sem perceberem o Rembrandt da celulóide. Claro, mestre, não será isso que abalará quem sabe que “não podemos desistir” por que o pior já passou – foi nascer.
Começou há cem anos, respira arte, cinema e preza a vida. Não lhe tirem o seu “oxigénio”. Até para o ano que vem, mestre, para comemorarmos a primeira capicua depois dos cem, 101. A seguir será uma plena, 111. Já falta pouco.
.
2 comentários:
can you email me: mcbratz-girl@hotmail.co.uk, i have some question wanna ask you.thanks
Different people have different life, different people have different interpretations of human life, you may pay more attention small links, so you have style!
Enviar um comentário