domingo, 17 de abril de 2011

A CONCORDATA E A PREVALÊNCIA DE IMPUNIDADE DE UMA ELITE

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Timor Leste anda em negociações sobre a Concordata com o Vaticano, correm as notícias relacionadas e publicadas mais em baixo. Também a esse proposito há comentários. Um deles vem de uma suposta leitora, que assina Querida Lucrécia, entre vários que decerto podem ser aqui descobertos.

Não fazia ideia da fidelidade de Lucrécia a este TLN de segunda fase mas é sempre de salientar a sua brevidade nos comentários e a imensa objetividade. Acho mesmo que devia de ser mais salientada por aqui. Assim estivessem atentos e com oportunidade os meus colegas que fazem este blogue e os outros desta Fábrica de nova vaga. Mas hoje fui eu que caçei a prosa da interessante senhora. Com um bem-haja passo ao comentário que deixou em Negociações entre Estado e Igreja começaram, mas acordo ainda está longe:

"Caro Dom Basilio do Nascimento,

A assinatura da concordata é importante, mas aquilo que a igreja Timorense e o Vaticano querem assinar é do Século 16. Então os Padres Católicos envolvidos em pedófilia serão julgados pela igreja e não pelos tribunais civis?? Querem ficar acima da lei de um estado soberano??

Os padres vão às catorzinhas e aos catorzinhos e depois são enviados de férias para Macau ou Portugal??

Para quando o filho do Padre Maubere de Letefoho vai passar férias para Macau??

Segundo a lei da igreja os padres católicos não podem ter relações sexuais mas esse Sr. em Letefoho já se diz que tem filhos.

Beijinhos da Querida Lucrécia"

Acredito que Lucrécia sabe mais que aquilo que faz aqui constar. Isso não invalida que não atentemos num pormenor assaz pertinente e muito interessante, a que ela faz referência - a igreja substituir-se ao estado em casos de crimes e serem julgados por aquele dúbia entidade.

A senhora salienta os casos de pedofilia, outros haverá. Mas, já que baila por aqui a palavra pedofilia, ressaltam e tinem campainhas sobre a pretenção da igreja vaticanal de se substituir à justiça de um estado soberano e assim impossibilitar que apontados criminosos como o bispo Ximenes Belo possa ser acusado e julgado, sendo o caso, no país em que praticaram o crime. Crime que é do conhecimento - por ter sido participado pela vítima há tempos - do bispo de Baucau, Basílio do Nascimento e da Procuradora Geral da República, Ana Pessoa. Para que não existam dúvidas, diga-se, em abono da verdade, que para escutar a vítima foi atempadamente marcada uma reunião por ambas as autoridades eclesiástica e da justiça timorense.

Para já e por agora tudo tem ficado em "águas-de-bacalhau", que em português escorreito significa que nada foi feito e que a justiça solicitada se revelou uma enorme injustiça. Neste caso como noutros. Decerto que é por medos que a PGR não atua como devia. Por medos e pela imensa autoridade que a igreja timorense exerce indevidamente sobre o estado timorense.

Pergunta-se: se o bispo é realmente criminoso porque não avança a PGR? É que passado tanto tempo de a executora e representante maior da defesa da comunidade timorense ficar atávica devemos transmitir-lhe a nossa indignação. Por imensas vezes o assunto foi aqui abordado explicitamente no TLN, e ainda sempre com "deixas" de abordagem ao referido bispo declarado pedófilo por uma vítima. Urge repôr a justiça. Nem que por isso a PGR corra o risco de perder o seu "poleiro". A integridade dos valores humanos que devem prevalecer nos agentes da justiça assim exigem. Antes ficar bem connosco por atos justos do que perder por completo a coluna vertebral. Ainda agora vimos como Ana Pessoa está a ser atacada no caso do vice-ministro Guterres ao dar seguimento ao processo correspondente a corrupção e abuso de poder. Note-se que também Ramos Horta prevaricou neste caso e está incompreensivelmente arredado do processo... Digamos que é uma tentativa de levar à prática uma justiça parcial por parte da PGR, o que demonstra prevalência de injustiça. Prevalência de impunidades na proteção às elites.

Imagina-se, ou talvez não, que o próprio bispo já tenha pedido perdão à vítima imensas vezes... e outras tantas de aliciamento, até por SMS... Sabe-se por relato. Ora isso não mostra arrependimento. Assim sendo podemos depreender que anda por aí, agora em Portugal, um apontado pedófilo à solta. Isso não é o que as crianças portuguesas merecem. Pode ser e pode não ser. Com toda esta indefinição e "deixa andar" da PGR timorense o que é que os cidadãos que abominam essa cambada de abusadores sexuais podem e devem pensar? Para mais quando vêem compatriotas seus homenagearem a abominável criatura. Porque não pensam eles sobre a razão de o referido bispo ter saído de Timor Leste por tempo tão prolongado e definitivo? Cristo era bom mas não era cego nem estúpido. Além do mais, tanto quanto podemos avaliar, era justo.

Evidentemente que exigir-se que justiça seja feita não invalida a importância que Ximenes Belo teve na sua postura e acções contributivas para a libertação do país. Mas o povo não é verdadeiramente livre enquanto não for feita justiça. E um bom cristão tem de assumir os seus crimes, os seus pecados. Não deve é ser insistentemente homenageado pelos seus bons actos e gozar de completa impunidade pelos que são realmente actos abomináveis e criminosos à luz das leis de um estado de direito. Algo tem de ser feito para estabelecer o sossego interior dos homens, das vítimas e dos que vitimaram outros. A assumpção disso é o arrependimento que pode transportar todos para a leveza do viver que nos faz mais humanos. Custa, mas... dura lex sed lex. A lei é dura mas é lei. Pedir justiça não é um acto de maldade. Até incomoda a quem está por bem. Mas muito mais incomoda que ela não seja posta em prática sem peias.

Quando vem à tona que nas negociações da Concordata, entre o Vaticano e Timor Leste, aquele se pretende substituir ao estado de direito timorense vislumbra-se alguma parte da intenção. A pedofilia em Timor tem atingido um caos inimaginável ao longo de dezenas anos, se não séculos. Diga-se que é prática ancestral civil, religiosa e militar. Os casos mais recentes estão em ebulição em Timor, como por todo o mundo. É disso que o Vaticano tem medo? É disso que a igreja timorense tem medo? É por isso que quer substituir-se à justiça do estado timorense? Para quê? Para continuar a oferecer impunidade aos monstros que guarda nas suas sacrilicas instalações e congregações? Por amor a Deus e aos vossos semelhantes, apresentem desculpas e sincero arrependimento às vítimas e mostrem as caras, assumam-se. Reparem os prejuizos de várias indoles que infligiram às vítimas - que mais não eram que inocentes crianças, muitas das quais ficaram com as vidas despedaçadas e atualmente não passam de inadaptados infelizes.

Por aqui, apesar de desagradável, não se escreveria assim se não correspondesse à verdade referida por quem foi vítima. Fazê-lo trás tristeza e muita ânsia de justiça. Para bem de todos, que ela seja feita.

Obrigado pela "deixa", Querida Lucrécia, um beijo.

Correspondendo à verdade de factos denuncie-se. "Juris et de jure" - de direito e por direito.

**Original de autoria de António Veríssimo em Timor Lorosae Nação - diário

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