segunda-feira, 22 de junho de 2009

VOZES DE BURRA NÃO CHEGARAM AOS CÉUS

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SE NÃO FOSSE AQUELA LAMBISGÓIA!

O fim-de-semana passado lá fui cobrar as minhas necessidades ao Monte da Francisca. As faltas em casa já eram imensas, até o estrume se tinha acabado e aqui pela cidade capital estrume é coisa que não há. Trampa, sim, há muita, mas o belo estrume dos Franciscos e da população da vacaria… nem pensar. Até as flores estavam a murchar por sentirem a falta de adubo nos vasos cá de casa, da varanda e da escada de acesso. Resumindo, fui suprir as faltas.

O Monte da Francisca está na mesma. Sempre bem tratado. A represa ainda leva mais água mas a chuva nega-se a cair. Se não veio a sério também já não aparece a não ser lá para as chuvadas de Setembro. É costume, mas também não vai dar para quase nada. Sempre refresca.

Na estrada do Monte andava a minha Francisca. O que ela zurrou de contentamento assim que viu a minha carripana! “Ah linda, já está outra vez grávida!” Disse-lhe assim que a vi. Ela ajeitou os brincos e sorriu com ar maroto. “Que culpa tenho de ser tão sexi-asna?” Nenhuma, ela não tem nenhuma culpa. A natureza “grita” em determinados momentos e pronto!

Num pedaço do serão vim até à estrebaria ver todos os Franciscos. Estavam a cear. A Francisca já tinha acabado e sentou-se comigo junto ao muro do poço a falar da vida.

A conversa virou para Timor em dado momento. “Pois, eu agora era primeira-dama se aquela lambisgóia não se tivesse intrometido na minha relação com o Che-Xanana…”. Fiquei olhando para aquela burra com ar triste. “O que é que é lá isso? Mas que história é essa?” Perguntei.

Foi então que a Francisca me explicou que se tinha correspondido com Xanana quando aquele estivera em Cipinang e que estava em vias de viajar até lá quando uma australiana se intrometeu no namorico e deu-lhe o que ele queria, e precisava muito, sem se fazer rogada, conforme vinha nas instruções.

“Ora foi claro que a partir dali ficou em vantagem”, disse desgostosa a Francisca. “Que interessava que eu lhe mandasse cartas perfumadas se ela lhe dava coisa melhor, perfumada ou a cheirar a bacalhau! Mas era o que ele queria! Isso para ele é que interessava!”

Grande confidência me estava a Francisca a fazer. Ao fim de tantos anos é que se descoseu! Magana! Eu estava embasbacado! Ela lá continuou.

“Não fosse isso e era eu agora a primeira-dama de Timor. Só tinha de parir três até agora e assim já vou em meia-dúzia. Se não fosse aquela lambisgóia australiana, gorda, cavalona, tudo na vida seria diferente. Para mim e para os timorenses.”

“Não fiques assim. Porque achas que seria diferente?” Perguntei, mais para lhe dar alento do que por querer saber. Eram águas passadas e disso não se pode esperar que os moinhos se movam.

“Claro que era tudo diferente. Se ele quisesse fazer um golpe de Estado eu dava-lhe tamanho coice que nem as montanhas de lá o aparavam. Além disso, percebi que ele não era assim tão maniento e velhaco como é agora. Aquela lambisgóia é que o pôs assim. Com a mania das grandezas e de se pavonear. Ainda agora ela anda por cá por Lisboa e arredores armada em perua, quer é saber de brilhar e ter palermas à sua volta para lhe sustentar o ego. A viver à custa do orçamento. Então os timorenses não mereceriam melhor! Ah, se não fosse aquela lambisgóia!”

“Deixa lá Francisca, está na hora da deita. Esquece essas coisas. Fico contente por saber que afinal aqui tens uma vida bem melhor, mais pacata. Afinal nem tens muito trabalho, a não ser criar os teus filhos, dar-lhes indicações de qual o melhor prado e coisas dessas…”, disse-lhe optimista.

A Francisca olhou-me com os olhos a brilhar e foi dizendo: “Ah, sim! Eu sou feliz! O meu Francisco é um garanhão e trata-me muito bem. Cata-me e coça-me amiúde. O que quero eu mais? Aqui no Monte vivo na paz dos senhores, sinto-me muito bem. Levo uma vida de burra num Monte sem corrupção, com saneamento básico, com veterinário, boa alimentação e tudo que é necessário. Uma vida como os timorenses não conseguem levar. Coitados, vivem tão mal…

“Até amanhã.” Fui dizendo, enquanto me afastava, olhava a lua cheia e entrava em casa. Quem diria, a Francisca em primeira-dama… Claro! Tinha sido muito melhor para Timor! Não quis Deus que assim fosse. O que vem provar que vozes de burra não chegam aos céus. Imaginem, Francisca Gusmão… primeira-dama. Quem diria. Nunca podemos dizer que sabemos tudo. Estamos sempre a aprender.
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