sábado, 11 de julho de 2009

TALVEZ UM DIA NOS ENCONTREMOS NUMA NUVEM

.
foto Dita Alangkara/AP

Quando pessoas que estimamos nos deixam parece que há um “filme” que nos passa bem cá dentro, no nosso sentir e memória, e recordamos imagens, sons e conversas que nos rodeiam em determinado momento em que estivemos juntos e em que partilhámos algo, mesmo uma opinião contrária, não importa quantos anos passaram.

Manuel Carrascalão deixou-nos, faleceu hoje no Hospital Guido Valadares, em Díli, tinha 75 anos. Era uma morte física esperada. Há tempos que estava bastante mal. Quando soube, menos de duas horas depois de ele ter falecido, tornou-se indiferente a distância que vai de Lisboa a Díli para sentir mágoa pelo sucedido.

E o tal “filme” apareceu, inusitado. Em mais de três décadas nunca mais nos vimos, nem conversámos, mas ele esteve tão presente. Aliás, fui eu que estive presente em Timor, em Díli, no “filme”, junto a ele, numa esquina onde um homem numa carripana vendia “sassati”, era costume, e falávamos da Primavera Marcelista. Ele, quase quarentão, estava seguro de que aquela primavera ia dar bons frutos, que vinha lá a democracia e a prosperidade de Portugal e também de Timor.

Falava-me como um professor que acredita muito na lição que estava a dar-me. Pudera, então eu era um miúdo de vinte e poucos anos. Quase imberbe. Mas rebatia e não aceitava aquela lição que me estava a ser dada de modo tão cordato e esperançoso, teimei que Portugal de então estava a rebentar pelas costuras e que o pior estava para vir até que a liberdade e a democracia se consolidassem, que em breve “isto estoura”, acho que disse. Recordo certo é que sorrindo me considerou inexperiente e pessimista.

Afinal acertei. Infelizmente, aquele meu amigo mais velho de muitos fins de tarde de conversa, depois do “estouro” perdeu imenso, até filhos, e depois voltou a perder. Mas nunca perdeu a esperança e a sua força de homem resistente, lutador, até hoje, em Díli, cerca das 14 horas. Agora ganhou o céu. Um dia, provavelmente, voltaremos a trocar outras opiniões numa bela nuvem.

A estima e a saudade ficam. Muitas vezes não precisamos de conviver para continuar a gostar de alguém. Obrigado. Paz.
.

1 comentário:

J. Ferreira disse...

É pena não existirem mais "amigos" e "Homens" como este que acaba de nos deixar. Que descanse em Paz